EMPIS - Entrevista Filipe Almeida
1. Gostaria que nos fizesse um pequeno enquadramento da Estrutura de Missão Portugal Inovação Social (EMPIS), designadamente como funciona e qual a sua importância para Portugal.
A Estrutura de Missão Portugal Inovação Social (EMPIS) é a entidade pública responsável pela gestão e coordenação da iniciativa pública Portugal Inovação Social. Esta iniciativa, criada em Dezembro de 2014, tem como objetivo promover e apoiar a inovação social e o empreendedorismo social em Portugal, dinamizando o mercado de investimento social. Ou seja, visa criar condições favoráveis ao desenvolvimento de projetos de inovação social em Portugal e promover o encontro de potenciais investidores públicos e privados com as organizações e os empreendedores que implementam esses projetos. E isto é feito com recurso a fundos da União Europeia.
Trata-se efetivamente de um programa pioneiro, único na Europa, que, no âmbito do Acordo de Parceria Portugal 2020, mobiliza cerca de 150 milhões de euros do Fundo Social Europeu para financiar projetos de inovação social através de instrumentos de financiamento (canais de financiamento) também eles inovadores: a Capacitação para o Investimento Social; as Parcerias para o Impacto; os Títulos de Impacto Social; e o Fundo para a Inovação Social. O formato específico destes instrumentos de financiamento promove, como referido, a aproximação entre investidores e organizações sociais com projetos inovadores.
A Portugal Inovação Social é, no fundo, um instrumento de política pública que reflete o reconhecimento, por parte do Governo, de que a sociedade civil organizada está hoje especialmente preparada para conceber, propor e experimentar novas respostas para os problemas coletivos, cada vez mais complexos, que enfrentamos todos os dias. Com este programa inovador, é possível testar estas novas propostas, promover parcerias entre entidades públicas e privadas, criar condições para mais investimento em projetos com impacto social positivo.
2. Quais as caraterísticas que um projeto deve ter para ser considerado empreendedor e inovador social?
No âmbito da Portugal Inovação Social, identificamos os projetos elegíveis para financiamento como Iniciativas de Inovação e Empreendedorismo Social (IIES), ou seja, projetos que visam implementar ou desenvolver uma solução inovadora para um ou vários problemas sociais. Assim, uma IIES deve sempre constituir-se como uma tentativa de resolver ou atenuar um problema social. A Inovação Social ocorre quando o processo de experimentação ou implementação de uma IIES gera impacto social positivo, ou seja, quando provoca uma melhoria da qualidade de vida ou nas perspetivas de desenvolvimento de um ou vários grupos sociais.
O empreendedorismo social, frequentemente associado à Inovação Social, é o processo empreendedor de experimentação e desenvolvimento dessa nova resposta. Portanto, para que um projeto seja considerado uma IIES é necessário que exista um problema social, que a solução proposta seja diferenciada e que tenha potencial de impacto social positivo.
3. Quais os principais constrangimentos que têm sido sentidos na implementação dos Instrumentos de Financiamento associados à inovação social?
A Inovação Social ainda é um conceito muito recente, com fronteiras pouco claras, que necessita de mais amplo debate, estudo e divulgação. Apesar deste desconhecimento e das ambiguidades a que o conceito pode estar sujeito, existe na sociedade portuguesa um enorme potencial criativo, de intervenção colaborativa e de mobilização de recursos que ainda não foi inteiramente estimulado. Portanto, o primeiro desafio diz respeito à divulgação, comunicação e esclarecimento do que é a Inovação Social e de como todos podem contribuir ativamente para melhorar o modo como vivemos, sejam empreendedores com ideias inovadoras, sejam investidores que possam direcionar os seus recursos para projetos com impacto social diferenciado, sejam entidades públicas que reconheçam e validem estas intervenções ponderando até porventura a sua integração em política pública no futuro.
A possibilidade de promover a Inovação Social e de financiá-la, em Portugal, no âmbito de um Acordo de Parceria com a União Europeia constitui uma extraordinária oportunidade, não apenas por via da mobilização de recursos europeus, mas também por via da visibilidade internacional deste programa pioneiro. Mas financiar a inovação é também financiar o risco. E, neste caso, é frequentemente financiar organizações de pequena dimensão, da sociedade civil, sem recursos ou competências internas que permitam responder eficazmente às exigências administrativas que o financiamento europeu impõe.
Por isso, um segundo desafio é, por um lado, conciliar um sistema de financiamento naturalmente avesso ao risco com a necessidade de financiar projetos que propõem novas abordagens com impactos subjetivos e de médio longo prazo, e, por outro lado, minimizar o impacto potencialmente desincentivador da complexidade administrativa dos processos de candidatura e de execução dos projetos. Esta complexidade pode, em alguns casos, ser desproporcionada em relação ao risco envolvido ou à dimensão as organizações beneficiárias.
Um outro constrangimento importante diz respeito aos tempos excessivamente longos de resposta deste sistema financiador que, devido ao modelo de governação, à escassez de meios humanos, à complexidade de processos ou a constrangimentos de ordem técnica, dificultam significativamente a nossa missão de dinamizar um setor ainda emergente e de apoiar, em tempo útil e com as garantias necessárias, os empreendedores e as organizações.
4. Qual o balanço que faz no que diz respeito aos resultados alcançados em matéria de execução dos instrumentos de financiamento em particular aqueles que são cofinanciados pelo PO ISE?
Faço um balanço muito positivo. Após a preparação técnica dos instrumentos de financiamento e dos processos subjacentes à sua operacionalização durante o ano de 2015, abriu em Julho de 2016 o primeiro concurso. Desde então, foram abertos 5 concursos com o PO ISE, disponibilizando uma dotação de cerca de 25,5 milhões de euros, no âmbito dos quais foram recebidas 325 candidaturas. E foram já aprovados os primeiros 137 projetos em três dos quatro instrumentos geridos pela Portugal Inovação Social: 99 no âmbito da Capacitação para o Investimento Social; 35 no âmbito das Parcerias para o Impacto; e 3 no âmbito dos Títulos de Impacto Social.
O mais recente concurso das Parcerias para o Impacto, com dotação de 7 milhões de euros, recebeu 91 candidaturas com financiamento solicitado de 18,8 milhões de euros, mais de 2,5 vezes o valor da dotação disponível. Este resultado é fruto de um trabalho intenso de comunicação, de presença multiterritorial e de ativação dos vários agentes de inovação social, públicos e privados. A EMPIS tem uma equipa muito coesa e tecnicamente bem preparada, incluindo uma Equipa Técnica de Financiamento que assegura a preparação dos concursos e a análise técnica das candidaturas e dos projetos em execução, e uma Equipa Técnica de Ativação que se ocupa de divulgar os instrumentos, mobilizar investidores, esclarecer empreendedores, acompanhar projetos, e representar a Portugal Inovação Social nos seus territórios de influência. Em estreita articulação com a Equipa de Apoio à Gestão, estas equipas são o motor da Portugal Inovação Social. Com o mapeamento que temos feito do território, estou convencido de que teremos no futuro excelentes projetos de inovação social para juntar aos já apoiados.
5. São visíveis os resultados alcançados com os instrumentos de financiamento já implementados em Portugal?
Sim. Uma parte significativa dos projetos aprovados estão já em curso, com impacto relevante nas vidas das pessoas a quem se dirigem. Para fazer o balanço dos dois anos que se completam agora após abertura do primeiro concurso, organizámos um evento a que chamámos “Aldeia da Inovação Social”, tendo ocupado durante dois dias uma aldeia do xisto, na serra da Lousã, onde reunimos dezenas de projetos, com atividades interativas, workshops, debates e múltiplas intervenções.
Não só foi possível conhecer os resultados já alcançados pelos projetos, como foi possível criar condições para que os diferentes agentes promotores de inovação social – empreendedores, investidores, entidades públicas, jornalistas – se encontrassem e reforçassem as suas ligações. Temos já, em Portugal, um lote importante de projetos criativos e originais para responder de forma alternativa e complementar a problemas sociais. Há que aumentar a sua visibilidade nacional e agora investir também na comunicação destas experiências para a Europa e resto do mundo.
6. De todos os projetos aprovados e cofinanciados pelo PO ISE até à presente data, consegue destacar 3 projetos que marcam a diferença em Portugal? Em que se diferenciam?
Os projetos são todos muito diferenciados, uma vez que a proposta é sempre original e o conjunto de problemas a que se dirigem são também muito diversos.
Eis alguns exemplos:
- o “Collor Add” é o primeiro código gráfico universal de cores que, através de uma solução simples com formas geométricas, permite resolver as dificuldades diárias das pessoas que sofrem de daltonismo;
- os “EKUI Cards” são um conjunto de 26 cartas que reúnem quatro linguagens – grafia comum, braille, língua gestual e alfabeto fonético –, favorecendo a alfabetização inclusiva e a reabilitação de pessoas com (e sem) deficiência;
- o “Pavilhão Mozart” é um projeto de reintegração social e de desenvolvimento humano para jovens reclusos que, durante um asno, preparam e ensaiam uma ópera de Mozart para se apresentarem em público, envolvendo reclusos, familiares, equipas técnicas e de segurança, artistas profissionais e toda a comunidade;
- a “Apps For Good” é um projeto de base tecnológica que envolve milhares de alunos, centenas de escolas e professores em todo o país num concurso anual de ideias para criação de aplicações de telemóvel que visem dar resposta a problemas sociais, promovendo o desenvolvimento simultâneo das competências digitais e da consciência social e ambiental entre os alunos envolvidos;
- a “Academia de Código” desenvolveu uma metodologia eficaz de formação intensiva em programação para jovens desempregados de todas as proveniências formativas, conseguindo alcançar taxas de empregabilidade muito significativas;
- o “Autism Rocks!” propõe uma nova forma de entender e de lidar com o autismo, provocando transformações radicais em centenas de famílias e milhares de cidadãos;
- as “Aldeias Pedagógicas” são um projeto que revitaliza aldeias remotas através da transformação dos seus habitantes idosos em “mestres” dos seus ofícios e saberes para grupos de visitantes que assim aprendem diretamente com os guardiões dessa sabedoria as artes e os modos sustentáveis de viver e produzir, num intercâmbio entre jovens que desenvolvem novas formas de ver o mundo e idosos que ganham uma nova utilidade para o seu conhecimento e uma nova função para a rotina das suas atividades diárias.
7. Quais os desafios para o futuro em matéria de inovação social?
Democratizar a ideia, tornando-a um desígnio natural da forma como vivemos e como lidamos com a realidade. Estimular o espírito inovador quando for necessário, o conservador quando for útil. Criar condições para que o cidadão comum se sinta mais livre para criar novas soluções que possam melhorar a vida coletiva e tenha acesso a meios que permitam materializar as suas propostas. Incentivar parcerias e promover o investimento público e privado em soluções inovadoras, a bem de todos. No fundo, investir na imaginação, na criatividade ao serviço da solidariedade, no sonho de um mundo melhor. E para isso, comunicar, comunicar, comunicar.